A minha experiência como Day Ward Manager, by Alexandre Gomes
Sou enf no Hospital Pedro Hispano e na altura com 40 anos decidi procurar um contrato fora de Portugal que me oferecesse algo de interessante.
Na altura uma agencia propos-me um contrato como Team Leader num Treatment Center no sul de Inglaterra. Meti uma licença sem vencimento e la fui. Eu já vivi em 3 continentes e já perdi a conta às inúmeras cidades e locais onde morei, por isso ir para Southampton era apenas mais uma experiência.
Quando cheguei lá tive uma surpresa, o contrato que me deram não era para a mesma vaga que eu me tinha candidatado. Fiquei sem poder voltar atras, e aceitei aquilo como um desafio. Seria um "normal" ward nurse e não team leader.
Aconselho pois todos os que vão para fora de Portugal e estudarem bem os contratos e consultarem-se bem sobre que posições e vencimentos vão ter. Conheci vários colegas com problemas semelhantes.
A outra surpresa que tive foi a de que o Treatment Center não estava ainda pronto para iniciar actividade. Na verdade faltavam 3 semanas para a 1ª de várias inspecções que ditariam a aprovação e abertura ao público. O Ward onde eu ia trabalhar só tinha paredes e nada mais. Parecia mais um local de construção do que uma unidade onde iam passar doentes operados. Faltava montar e instalar praticamente tudo (camas, sistemas de vácuo e Oxigenio, equipamentos de higiene e segurança, telefones, computadores.. faltava praticamente tudo).
A Ward Manager era uma enfermeira que tinha vindo como manager de um outro hospital e tinha vários anos de experiencia naquela função. Era uma pessoa muito simpatica e empenhada, mas ao 3º dia demitiu-se.
A direcção do Hospital juntamente com a General Manager (A gestora da área da saúde do grupo que detem vários hospitais e unidades de saúde em todo o mundo - sediado na Africa do Sul), chamaram-me a um gabinete e disseram-me que o meu CV tinha sido o escolhido entre todos os do grupo de empresas para a posição de Manager da nova unidade. Durante várias horas questionaram-me sobre as minhas competências. No início pareciam-lhes exagerada a minha formação (2 licenciaturas; 2 pos-graduações em gestão, economia e administração em saude); enfermeiro especialista em saude mental; ex-docente em 2 institutos de ensino superior; ex-coordenador de licenciatura em Saúde Ambiental; ex-coordenador de uma pos graduação em gestão de unidades de saúde; ex-docente nas áreas de química, gestão, economia e administração em saúde; co-autor de um livro sobre políticas de saúde, etc, etc.). No final propuseram fazer-me um contrato de 3 meses à experiencia que eu aceitei.
Não sei se percebem no que me estava a meter.. Eu tinha de transformar aquelas paredes em 3 unidades (day ward, second stage recovery room, dental area) num espaço de 3 semanas e estas tinham de ser aprovadas pelos Ministério da Saúde Britanico, a HCC (Health Care Comission) o CNST (Clinical Negligence Scheme for Trusts), o organismo responsavel pelo Health and Safety e o organismo responsavel pela Higiene e Controlo de Infecção (não falando nos restantes).
A consequencia da não aprovação daquelas e das outras unidades do hospital seriam o possível adiamento da abertura e possíveis cancelamentos de contratos de trabalho.
O único pormenor é que eu não fazia a mínima ideia do nível de exigência que estes organismos têm para deixar abrir instituições de saúde privadas. A direcção do hospital facultou-me 5 dossiers com cerca de 4000 paginas (não estou a exagerar) com tudo o que devia ser implementado. Basicamente passei a dormir 3 a 4 horas por noite naquelas 3 semanas, trabalhava no hospital das 7h as 21h e estudava os dossiers a noite.
As reunioes com os organismos avaliadores eram delicadas e duravam as vezes um dia inteiro. Confesso que no início os meus joelhos abanavam um bocado e as doses industriais de cafe que tomava tambem nao ajudavam nada:)
A quantidade de informação com que lidava diariamente era avassaladora.
Como ward manager eu tinha as funções de um enf. chefe em Portugal + as funções de gestão da unidade que incluiam a gestão de stocks, entrevistar e contratar pessoal (os salarios eram negociados directamente comigo e a gestão de recursos humanos) + articulação de todos os médicos e funcionarios + prestação de cuidados aos utentes (como qualquer outro enfermeiro). A minha Job description tinha 2 paginas A4.
Este foi o maior desafio que tive até hoje e sinceramente sinto orgulho em dizer que tudo correu bem. Obtivemos a aprovação e renovei para um contrato sem termo.
Por motivos familiares acabei por regressar a Portugal 1 ano mais tarde. Cá continuo a fazer o mesmo que fazia quando acabei o curso de enfermagem em 1989 com exactamente as mesmas funções e a ganhar menos do que ganhava à 10 anos atras, mas paciencia..
- Aos jovens alunos de enfermagem e recém-licenciados -
Não se esqueçam que a Ryanair tem voos a preços de uma entrada no Via Rapida.
Boa sorte
Alexandre Gomes
Na altura uma agencia propos-me um contrato como Team Leader num Treatment Center no sul de Inglaterra. Meti uma licença sem vencimento e la fui. Eu já vivi em 3 continentes e já perdi a conta às inúmeras cidades e locais onde morei, por isso ir para Southampton era apenas mais uma experiência.
Quando cheguei lá tive uma surpresa, o contrato que me deram não era para a mesma vaga que eu me tinha candidatado. Fiquei sem poder voltar atras, e aceitei aquilo como um desafio. Seria um "normal" ward nurse e não team leader.
Aconselho pois todos os que vão para fora de Portugal e estudarem bem os contratos e consultarem-se bem sobre que posições e vencimentos vão ter. Conheci vários colegas com problemas semelhantes.
A outra surpresa que tive foi a de que o Treatment Center não estava ainda pronto para iniciar actividade. Na verdade faltavam 3 semanas para a 1ª de várias inspecções que ditariam a aprovação e abertura ao público. O Ward onde eu ia trabalhar só tinha paredes e nada mais. Parecia mais um local de construção do que uma unidade onde iam passar doentes operados. Faltava montar e instalar praticamente tudo (camas, sistemas de vácuo e Oxigenio, equipamentos de higiene e segurança, telefones, computadores.. faltava praticamente tudo).
A Ward Manager era uma enfermeira que tinha vindo como manager de um outro hospital e tinha vários anos de experiencia naquela função. Era uma pessoa muito simpatica e empenhada, mas ao 3º dia demitiu-se.
A direcção do Hospital juntamente com a General Manager (A gestora da área da saúde do grupo que detem vários hospitais e unidades de saúde em todo o mundo - sediado na Africa do Sul), chamaram-me a um gabinete e disseram-me que o meu CV tinha sido o escolhido entre todos os do grupo de empresas para a posição de Manager da nova unidade. Durante várias horas questionaram-me sobre as minhas competências. No início pareciam-lhes exagerada a minha formação (2 licenciaturas; 2 pos-graduações em gestão, economia e administração em saude); enfermeiro especialista em saude mental; ex-docente em 2 institutos de ensino superior; ex-coordenador de licenciatura em Saúde Ambiental; ex-coordenador de uma pos graduação em gestão de unidades de saúde; ex-docente nas áreas de química, gestão, economia e administração em saúde; co-autor de um livro sobre políticas de saúde, etc, etc.). No final propuseram fazer-me um contrato de 3 meses à experiencia que eu aceitei.
Não sei se percebem no que me estava a meter.. Eu tinha de transformar aquelas paredes em 3 unidades (day ward, second stage recovery room, dental area) num espaço de 3 semanas e estas tinham de ser aprovadas pelos Ministério da Saúde Britanico, a HCC (Health Care Comission) o CNST (Clinical Negligence Scheme for Trusts), o organismo responsavel pelo Health and Safety e o organismo responsavel pela Higiene e Controlo de Infecção (não falando nos restantes).
A consequencia da não aprovação daquelas e das outras unidades do hospital seriam o possível adiamento da abertura e possíveis cancelamentos de contratos de trabalho.
O único pormenor é que eu não fazia a mínima ideia do nível de exigência que estes organismos têm para deixar abrir instituições de saúde privadas. A direcção do hospital facultou-me 5 dossiers com cerca de 4000 paginas (não estou a exagerar) com tudo o que devia ser implementado. Basicamente passei a dormir 3 a 4 horas por noite naquelas 3 semanas, trabalhava no hospital das 7h as 21h e estudava os dossiers a noite.
As reunioes com os organismos avaliadores eram delicadas e duravam as vezes um dia inteiro. Confesso que no início os meus joelhos abanavam um bocado e as doses industriais de cafe que tomava tambem nao ajudavam nada:)
A quantidade de informação com que lidava diariamente era avassaladora.
Como ward manager eu tinha as funções de um enf. chefe em Portugal + as funções de gestão da unidade que incluiam a gestão de stocks, entrevistar e contratar pessoal (os salarios eram negociados directamente comigo e a gestão de recursos humanos) + articulação de todos os médicos e funcionarios + prestação de cuidados aos utentes (como qualquer outro enfermeiro). A minha Job description tinha 2 paginas A4.
Este foi o maior desafio que tive até hoje e sinceramente sinto orgulho em dizer que tudo correu bem. Obtivemos a aprovação e renovei para um contrato sem termo.
Por motivos familiares acabei por regressar a Portugal 1 ano mais tarde. Cá continuo a fazer o mesmo que fazia quando acabei o curso de enfermagem em 1989 com exactamente as mesmas funções e a ganhar menos do que ganhava à 10 anos atras, mas paciencia..
- Aos jovens alunos de enfermagem e recém-licenciados -
- A quem esta em período de formação ou ja terminou mas ainda esta a procura de emprego deixo aqui alguns conselhos da minha experiencia pessoal e profissional de 22 anos:
- Nos próximos 10 anos não vão abrir concursos públicos em Portugal. A ideia da troika é reduzir empregos e não aumenta-los.
- O tempo em que aprendiamos francês porque era "chic" acabou. Um licenciado que não tenha um nível médio em 3 linguas não vai a lado nenhum. Utilizem o tempo livre que têm para aprender linguas e melhorar o vosso CV. Não digam que não têm tempo livre, eu fiz duas licenciaturas a trabalhar e a estudar e era atleta de competição por isso parem de arranjar desculpas.
- A ideia de fazer formação pos-graduada e especializações em Portugal para tentar um emprego cá é errada. Além de gastarem recursos monetarios valiosos, essa formação só será válida se acabarem por sair do país, por isso é preferivel fazerem-na la fora. A maioria dos hospitais em França, Inglaterra, Belgica, Suiça paga-vos essa formação e ainda vos dá emprego.
- A progressao na carreira é muito mais facil em Inglaterra ou na Suiça. É ainda mais facil encontrarem um hospital ou unidade de saúde com a área que gostam e realizarem-se profissionalmente.
- Inscrevam-se em todas as agencias de emprego especializado que encontrarem na net. Todos os dias receberao ofertas de empregos no mail. Muitas agencias entrevistam pelo skype. Tenho uma amiga que foi recentemente para a Belgica e todas as entrevistas que fez foram por skype. Curiosamente foi para um hospital que precisa de imensos enfermeiros e de todos os portugueses entrevistados só ela foi aceite, aparentemente porque o nivel de frances dos restantes candidatos era mau.
- Ponham as pernas ao caminho. Utilizem uma semana das vossas férias de escola e em vez de irem para a praia apanhar sol ou irem ao Sudoeste ver os Arctic Monkeys, escolham um hospital de referencia na europa e façam uma visita de 5 dias tutorada. O peso deste pequeno estagio na vossa entrevista de emprego é enorme. Façam outras coisas semelhantes com custos baixissimos e verão como se destacam na entrevistas.
Não se esqueçam que a Ryanair tem voos a preços de uma entrada no Via Rapida.
- LEMBREM-SE: Numa entrevista de emprego TODOS OS CANDIDATOS têm a mesma licenciatura. O que o vosso entrevistador quer saber é PORQUE É QUE VOCÊS SÃO UMA MAIS VALIA PARA AQUELE HOSPITAL. Ou seja, o que têm vocês que os outros candidatos não têm.
- Há dias perguntei a uma aluna de enfermagem num campo de estágio, que jornal ela costumava ler regularmente. Ao que ela me respondeu: “Nenhum”. Ao que eu lhe respondi: “Ainda bem que isto não é uma entrevista para um emprego”.
Boa sorte
Alexandre Gomes