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DesTroikar por miúdos
Não sei se já repararam como se tornou quase impossível ir ao shopping ultimamente. Estive ¾ de hora para andar 15 metros dentro do estacionamento do Norte Shopping. Mas será que ninguém ouviu falar da crise? Dos cortes nos subsídios de Natal? No risco do euro acabar?
Eu cá pra mim o pessoal já desistiu de ouvir notícias, só pode!
Pronto, mas fiz as minhas comprinhas quase todas. Sim, quase, porque eu sou português como todos vocês e deixo sempre alguma coisa para a última hora. Mais que não seja para poder ir prá fila de transito buzinar e gritar que nem um desalmado com os carros à minha volta a pretexto de estar atrasado pró bacalhau. Não me levem a mal, mas é o meu último subsídio de Natal.. Vou espernear, gritar, lamurear até me despedir dele. Pah! Foram muitos anos, vou ter saudades dele! Que querem?!
Bem, mas estava eu nesta coisa frenética de comprar prendas enquanto me queixava da troika quando o meu puto se vira pra mim “Ó pai, explica-me lá isso da troika que eu não percebo!”
Pah! Fiquei a olhar prás sapatilhas que lhe ia comprar e a pensar como raio ia eu explicar ao miúdo quem era a troika e como ela estava a afectar a minha decisão em comprar akelas sapatilhas. Ao fim de algum tempo lá me decidi. Era escusado explicar ao miúdo o que raio era “inflação”, “crédito mal parado”, “dívida externa”, “credit swaps”, “taxas de juro”, “eurobonds”, e sei lá mais o kê!! Portanto inspirei fundo e resolvi contar-lhe uma história (sim, que qualquer puto adora uma boa história). E foi mais ou menos assim que tentei explicar ao meu filho de 12 anos a trapalhada em que estávamos metidos..
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
Era uma vez...
A família Gonçalves. O pai, a mãe e dois filhos grandes recém-licenciados. O pai é enfermeiro há quase 30 anos. É enfermeiro especialista, tem mestrado e ganha pouco mais que uma empregada doméstica. A mãe é secretária num gabinete de dentistas e ganha o salário mínimo. Juntos, têm um rendimento de €1500 por mês, mais coisa menos coisa. Os filhos não têm rendimentos. Acabaram os cursos de Arquitectura e Bioquímica e passam os dias entre os sites de emprego e a Playstation. À noite costumam parar pela 24 de Julho e descarregar a frustração em shots e cerveja. Como adoram os cozinhados da mãe e acham muito maçador aprender inglês ou francês, vivem na esperança de um dia lhes cair um emprego do céu.
A família Gonçalves tem um pequeno problema. Compraram apartamento numa altura em que era tudo facilidades e ficaram com uma prestação mensal de €800. Tá bem que o apartamento é num condomínio fechado com vista pró Tejo. Claro está que os ordenados não chegam para os gastos todos (alimentação, prestação dos carros, água, luz, telemóveis, internet, roupa, idas aos shoppings e restaurantes, férias em Cuba e fins de semana em Vilamoura). Os Gonçalves têm um estilo de vida em que gastam em média cerca de 3000 euros mensais, portanto precisam todos os meses de mais €1500 além do que ganham. Para isso pedem emprestados os restantes. Claro que quem empresta 1500 quer que lhe seja pago 2000 para poder ter lucro. O valor entre os 1500 e os 2000 chama-se juro. Só que com tanto juro todos os meses, os Gonçalves estão numa situação em que o que ganham já só dá para pagar o juro e nem aquilo que devem conseguem pagar.
Sem ter bem noção do assunto pois continuam a gastar como se não houvesse amanhã, o pai foi ter com a ‘Associação dos amigos da Troka’ para pedir ajuda. A associação prometeu ajudar os Gonçalves emprestando ainda mais dinheiro para que eles pudessem pagar algumas das dívidas só que com juro mais baixo. Mas para isso quiseram ir lá a casa ver como eles andavam a gastar o dinheiro e sugerir algumas mudanças.
Ao chegar a casa dos Gonçalves os ‘amigos da Troka’ viram que estes viviam como se fossem ricos, gastando dinheiro em muitas coisas que não deviam. Reuniram com o pai e a mãe e disseram-lhes “Ora bem, a situação é muito má!”
A mãe ficou muito admirada, “Ai é? Não fazia ideia!”.
“Bem, os senhores têm de estabelecer um plano para pagar as vossas dívidas”
O pai desatou às gargalhadas. “Pagar as dívidas?!! Mas isso é uma ideia de crianças! Pagar dívidas? Estão parvos ou quê?! Eu preciso é de dinheiro!”
“Bem, os senhores têm duas formas de resolver o assunto. Ou conseguem arranjar maneira de entrar mais dinheiro cá em casa, ou têm de cortar drasticamente nas despesas que fazem”
“Mas eu já tinha prometido umas prendinhas aos meus filhos. Sabe como é.. Prometi ao mais velho que lhe comprava um pequeno comboio de alta velocidade para ele brincar no quarto, e o mais novo também quer mais uma pista de aviões nova. Isso posso comprar não posso?”
Diz a mãe, “Não te esqueças dos submarinos que o Manel te pediu no Natal, para ele brincar na banheira”.
“Meus senhores, a situação é mesmo séria! Se fosse eu a vocês começava por cortar já nas mesadas dos filhos e despedia a empregada imediatamente. Mas vamos dar-vos uma lista de coisas para vocês fazerem e caso não façam não vos emprestamos dinheiro nenhum.”
Os Gonçalves viram que a coisa estava preta. Quando os ’amigos da Troka’ saíram, a mãe desabafou “Não sei como deixamos chegar isto a este ponto Gonçalves?”
“Ó Maria, eles estão a exagerar. Até aposto que se dissermos que não pagamos nada estes senhores até tremem de medo! É tudo balelas, não ligues! Vamos continuar a gastar e mái nada!”
“Mas Gonçalves e o nosso futuro? E o dos nossos filhos?”
“Lá tás tu! Olha o nosso primo das ilhas.. Tem meio pedaço de terra e gasta como se fosse o tio patinhas. Vê lá se lhe acontece alguma coisa? Ainda goza connosco porque gastamos menos do que ele. Aquilo é ké homem!”
Passado uma semana e vendo que mais ninguém lhes emprestava dinheiro, o pai chamou os filhos e teve uma conversa sincera com eles.
“Filhos, as coisas já não são o que eram. Precisamos reduzir as despesas cá em casa, por isso vocês vão ter de emigrar e desamparar a loja”
“Mas pai nós nem sabemos falar inglês, nem francês!”
“Pah, vão pó Brasil ou pr´Angola. Lá fala-se português fluentemente. E depois mandem pra cá o dinheiro p´ajudar o pai e a mãe”
“Mas pai, tem mesmo de ser?”
“Claro que sim!! Vocês às vezes não têm noção nenhuma das dificuldades que estamos a passar e dos sacrifícios que o pai e a mãe andam a fazer! Vá, despachem-se lá a tratar das coisas que o vosso pai vai ter de sair. Tenho um jogo de golfe combinado com o Fernandes e ainda tenho de ir buscar a vossa mãe ao SPA.”
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Pronto, acabou-se a história. Só não sei se o miúdo ficou a perceber alguma coisa.. Por mais voltas que desse não consegui que acabasse com a frase “E viveram felizes para sempre”.
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Eu cá pra mim o pessoal já desistiu de ouvir notícias, só pode!
Pronto, mas fiz as minhas comprinhas quase todas. Sim, quase, porque eu sou português como todos vocês e deixo sempre alguma coisa para a última hora. Mais que não seja para poder ir prá fila de transito buzinar e gritar que nem um desalmado com os carros à minha volta a pretexto de estar atrasado pró bacalhau. Não me levem a mal, mas é o meu último subsídio de Natal.. Vou espernear, gritar, lamurear até me despedir dele. Pah! Foram muitos anos, vou ter saudades dele! Que querem?!
Bem, mas estava eu nesta coisa frenética de comprar prendas enquanto me queixava da troika quando o meu puto se vira pra mim “Ó pai, explica-me lá isso da troika que eu não percebo!”
Pah! Fiquei a olhar prás sapatilhas que lhe ia comprar e a pensar como raio ia eu explicar ao miúdo quem era a troika e como ela estava a afectar a minha decisão em comprar akelas sapatilhas. Ao fim de algum tempo lá me decidi. Era escusado explicar ao miúdo o que raio era “inflação”, “crédito mal parado”, “dívida externa”, “credit swaps”, “taxas de juro”, “eurobonds”, e sei lá mais o kê!! Portanto inspirei fundo e resolvi contar-lhe uma história (sim, que qualquer puto adora uma boa história). E foi mais ou menos assim que tentei explicar ao meu filho de 12 anos a trapalhada em que estávamos metidos..
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A família Gonçalves. O pai, a mãe e dois filhos grandes recém-licenciados. O pai é enfermeiro há quase 30 anos. É enfermeiro especialista, tem mestrado e ganha pouco mais que uma empregada doméstica. A mãe é secretária num gabinete de dentistas e ganha o salário mínimo. Juntos, têm um rendimento de €1500 por mês, mais coisa menos coisa. Os filhos não têm rendimentos. Acabaram os cursos de Arquitectura e Bioquímica e passam os dias entre os sites de emprego e a Playstation. À noite costumam parar pela 24 de Julho e descarregar a frustração em shots e cerveja. Como adoram os cozinhados da mãe e acham muito maçador aprender inglês ou francês, vivem na esperança de um dia lhes cair um emprego do céu.
A família Gonçalves tem um pequeno problema. Compraram apartamento numa altura em que era tudo facilidades e ficaram com uma prestação mensal de €800. Tá bem que o apartamento é num condomínio fechado com vista pró Tejo. Claro está que os ordenados não chegam para os gastos todos (alimentação, prestação dos carros, água, luz, telemóveis, internet, roupa, idas aos shoppings e restaurantes, férias em Cuba e fins de semana em Vilamoura). Os Gonçalves têm um estilo de vida em que gastam em média cerca de 3000 euros mensais, portanto precisam todos os meses de mais €1500 além do que ganham. Para isso pedem emprestados os restantes. Claro que quem empresta 1500 quer que lhe seja pago 2000 para poder ter lucro. O valor entre os 1500 e os 2000 chama-se juro. Só que com tanto juro todos os meses, os Gonçalves estão numa situação em que o que ganham já só dá para pagar o juro e nem aquilo que devem conseguem pagar.
Sem ter bem noção do assunto pois continuam a gastar como se não houvesse amanhã, o pai foi ter com a ‘Associação dos amigos da Troka’ para pedir ajuda. A associação prometeu ajudar os Gonçalves emprestando ainda mais dinheiro para que eles pudessem pagar algumas das dívidas só que com juro mais baixo. Mas para isso quiseram ir lá a casa ver como eles andavam a gastar o dinheiro e sugerir algumas mudanças.
Ao chegar a casa dos Gonçalves os ‘amigos da Troka’ viram que estes viviam como se fossem ricos, gastando dinheiro em muitas coisas que não deviam. Reuniram com o pai e a mãe e disseram-lhes “Ora bem, a situação é muito má!”
A mãe ficou muito admirada, “Ai é? Não fazia ideia!”.
“Bem, os senhores têm de estabelecer um plano para pagar as vossas dívidas”
O pai desatou às gargalhadas. “Pagar as dívidas?!! Mas isso é uma ideia de crianças! Pagar dívidas? Estão parvos ou quê?! Eu preciso é de dinheiro!”
“Bem, os senhores têm duas formas de resolver o assunto. Ou conseguem arranjar maneira de entrar mais dinheiro cá em casa, ou têm de cortar drasticamente nas despesas que fazem”
“Mas eu já tinha prometido umas prendinhas aos meus filhos. Sabe como é.. Prometi ao mais velho que lhe comprava um pequeno comboio de alta velocidade para ele brincar no quarto, e o mais novo também quer mais uma pista de aviões nova. Isso posso comprar não posso?”
Diz a mãe, “Não te esqueças dos submarinos que o Manel te pediu no Natal, para ele brincar na banheira”.
“Meus senhores, a situação é mesmo séria! Se fosse eu a vocês começava por cortar já nas mesadas dos filhos e despedia a empregada imediatamente. Mas vamos dar-vos uma lista de coisas para vocês fazerem e caso não façam não vos emprestamos dinheiro nenhum.”
Os Gonçalves viram que a coisa estava preta. Quando os ’amigos da Troka’ saíram, a mãe desabafou “Não sei como deixamos chegar isto a este ponto Gonçalves?”
“Ó Maria, eles estão a exagerar. Até aposto que se dissermos que não pagamos nada estes senhores até tremem de medo! É tudo balelas, não ligues! Vamos continuar a gastar e mái nada!”
“Mas Gonçalves e o nosso futuro? E o dos nossos filhos?”
“Lá tás tu! Olha o nosso primo das ilhas.. Tem meio pedaço de terra e gasta como se fosse o tio patinhas. Vê lá se lhe acontece alguma coisa? Ainda goza connosco porque gastamos menos do que ele. Aquilo é ké homem!”
Passado uma semana e vendo que mais ninguém lhes emprestava dinheiro, o pai chamou os filhos e teve uma conversa sincera com eles.
“Filhos, as coisas já não são o que eram. Precisamos reduzir as despesas cá em casa, por isso vocês vão ter de emigrar e desamparar a loja”
“Mas pai nós nem sabemos falar inglês, nem francês!”
“Pah, vão pó Brasil ou pr´Angola. Lá fala-se português fluentemente. E depois mandem pra cá o dinheiro p´ajudar o pai e a mãe”
“Mas pai, tem mesmo de ser?”
“Claro que sim!! Vocês às vezes não têm noção nenhuma das dificuldades que estamos a passar e dos sacrifícios que o pai e a mãe andam a fazer! Vá, despachem-se lá a tratar das coisas que o vosso pai vai ter de sair. Tenho um jogo de golfe combinado com o Fernandes e ainda tenho de ir buscar a vossa mãe ao SPA.”
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Pronto, acabou-se a história. Só não sei se o miúdo ficou a perceber alguma coisa.. Por mais voltas que desse não consegui que acabasse com a frase “E viveram felizes para sempre”.
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